Qual é o seu projeto para o seu filho?

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 Além de muita dedicação cotidiana, educar um filho exige uma boa dose de imaginação. Em primeiro lugar, é preciso que tenhamos clareza sobre o tipo de pessoa que queremos ajudá-lo a se tornar. Não se trata evidentemente de imaginar aspectos como a sua profissão, ou o lugar onde vai morar quando crescer. Essas são decisões de foro íntimo, que ele vai tomar no momento apropriado, gozando da liberdade que toda pessoa tem – ou deveria ter – de escrever a sua própria história. Estou me referindo a um projeto moral, que diz respeito a valores e princípios que estarão na base de sua orientação geral para a vida.

O fato é que, quando questionados sobre o que projetam para os filhos, os pais atuais, em sua maioria, não conseguem ir além de clichês do tipo: “que ele seja livre para ser o que quiser”, ou, ainda, “que ele seja um agente de transformação social”. Isso ocorre, em parte, porque eles nunca se dedicaram a pensar seriamente sobre essa questão e, quando confrontados com ela, falta-lhes a linguagem para expressar qualquer ângulo de sua experiência parental que não esteja traduzido no senso comum da cultura educacional contemporânea, que, por sua vez, é organizada em torno desses slogans vazios.

É imprescindível que os pais reflitam de maneira mais realista sobre o seu papel na formação da pessoa dos filhos. Há todo um trabalho a ser feito no sentido de garantir que eles cresçam e se desenvolvam num contexto social rico em exemplos, modelos e preceitos que os conduzam na direção desejada. E isso inclui não só o ambiente familiar imediato, mas também os círculos sociais mais amplos nos quais serão gradativamente inseridos. Se não assumirmos com tenacidade a tarefa de lhes oferecer o substrato principal para a formação de sua visão de mundo, isso será feito por pessoas que não os conhecem e nem os amam como nós.

Claro que, em algum momento e em alguma medida, nossos filhos serão expostos a influências cujos efeitos não poderemos controlar inteiramente. Estou falando, por exemplo, dos colegas, dos professores, dos porta-vozes da mídia e da indústria cultural, das celebridades, dos “amigos” das redes sociais. Por isso, devemos cuidar para que a nossa autoridade moral esteja bem resguardada, de modo que eles se mantenham sempre abertos à nossa interferência. Quanto mais a família recua em seu papel, mas as crianças e os jovens se tornam expostos à ingerência desses agentes externos.

Atualmente, é muito comum que as pessoas tentem justificar a sua própria hesitação em orientar os filhos pelo receio de tolher a sua liberdade. Trata-se de um temor infundado, baseado em premissas inconsistentes. Em primeiro lugar, é importante entender que o projeto moral de que estou falando só diz respeito aos objetivos que vão nortear a nossa atuação. Ele não se confunde, de modo algum, com o projeto de vida que eles construirão por si sós quando já estiverem prontos. Em outras palavras, orientar não é sinônimo de determinar.

O segundo ponto de inconsistência desse argumento está na suposição de que o exercício consciente e responsável da liberdade seja possível sem uma base moral consolidada que lhe dê sustentação. Para que uma pessoa possa se dizer realmente livre, precisa estar genuinamente convicta de que o que faz é o que deve ser feito. Caso contrário, ela estará apenas imitando, seguindo o fluxo. E essa convicção só pode existir quando se está de posse de uma hierarquia clara de princípios e valores. Ora, de quem é a tarefa de ajudar a criança a construir essa base moral, senão dos pais?

Para que eu deixe uma criança livre para decidir a que valores vai aderir e que virtudes vai desenvolver, eu não preciso ser sua mãe. Basta que eu não esteja relacionada a ela por um vínculo amoroso e acredite que os rumos de seu projeto existencial não me digam respeito. E, como não temos nenhum motivo para imaginar, de antemão, que os pais vacilantes não amem os seus filhos, só podemos interpretar a sua hesitação como decorrência do fato de não se sentirem moralmente preparados para assumir o seu papel. Talvez porque se vejam, eles próprios, num estado de dependência e imaturidade típico das crianças.

Vivemos numa época de adultos infantilizados, e isso não poderia deixar de produzir uma situação de torpor educacional generalizado. Do ponto de vista dos valores, nossa cultura foi de tal forma contaminada pela vulgata do relativismo, que os pais de hoje em dia não se sentem autorizados sequer a ensinar os filhos a discernir entre o Bem e o Mal, capacidade que as crianças de outras épocas adquiriam antes de sair do berço.

A liberdade é, sem dúvida, um valor importante para quem educa. Mas dar liberdade aos filhos não significa nada lhes ensinar ou propor. Há sempre um lastro de individualidade que determina o modo e a medida em que os preceitos, exemplos e modelos serão assimilados e internalizados pela criança, de maneira estritamente pessoal. E há também aqueles aspectos de seu ser que permanecerão impermeáveis à influência externa. Com esses traços irredutíveis precisamos aprender a lidar, cuidando para que sejam acomodados da melhor maneira possível no projeto que temos em mente.

É por tudo isso que costumo insistir na necessidade de que os pais estejam sempre atentos e sensíveis à individualidade dos filhos. Sem essa atenção, nenhuma educação elevada é possível. Mas o ponto que quero destacar aqui é o seguinte: o respeito à pessoa da criança não justifica que a deixemos à sua própria sorte, supondo que possa encontrar suas referências de vida de maneira espontânea e solitária. Não, ela não pode. As crianças se voltam natural e avidamente para os adultos em busca de preceitos pelos quais se guiar e modelos para imitar.

A verdade, sem rodeios, é que se não fizermos o nosso trabalho, outros estarão prontos para preencher o espaço que deixaremos vazio. O que temos diante de nós, portanto, é uma escolha de amplas consequências: ou bem assumimos a tarefa de influenciar nossos filhos, com determinação e coragem, ou nos omitimos e, consequentemente, os abandonamos à influência de conselheiros cujos valores podem ser diametralmente opostos aos nossos. Deixaremos que pessoas estranhas determinem a visão de mundo de nossas crianças?

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Imagem:

Jessie Willcox Smith (1863-1935), “Dream Blocks”.

5 comentários sobre “Qual é o seu projeto para o seu filho?

  1. Tout à fait.
    Encore une histoire vraie; au-delà de l’amour (évidement), de la bienveillance et du respect qu’il nous incombe de leur donner c’est avant tout être conscients de notre influence, responsables et participatifs.
    Parce que, en fin de compte quand on est parents,; les journées sont bien longues mais les années sont trop courtes!!! 😉

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