Já falei aqui no blog do quanto é importante que os pais realizem um trabalho de cultivo do imaginário de seus filhos, propiciando o contato das crianças com a natureza, a arte e a literatura. Agora quero falar sobre outro tipo de cuidado, complementar e tão importante quanto o de cultivo: o trabalho de defesa. Como diz o prof. Francisco Escorsim, defender o imaginário infantil nunca foi tão necessário e urgente.
Uma fração significativa do tempo das crianças urbanas de todas as camadas sociais é passada diante da televisão ou dos aparelhos eletrônicos digitais (computadores, smartphones, tablets, etc). Sem nenhuma proteção, e por horas a fio, elas absorvem imagens de qualidade ética e estética muito discutível, pelo menos em boa parte dos casos. Ora, não é novidade para ninguém que o objetivo da programação dessas mídias é precisamente o de mantê-las focadas na tela pelo maior tempo possível. A interferência dos pais se torna, assim, absolutamente necessária.
Porém, antes de falar mais especificamente das mídias eletrônicas, é preciso lembrar duas coisas. A primeira é que defender o imaginário de seu filho não significa controlar inteiramente os seus caminhos. Em alguma medida, a imaginação de qualquer criança será inevitavelmente afetada pela cultura de sua própria geração. Para o bem ou para o mal.
O segundo ponto importante é que cada criança, como pessoa única e singular, reage individualmente aos estímulos que recebe do mundo. Sendo assim, a relação que uma criança estabelece com as mídias eletrônicas não depende somente do desempenho educativo de seus pais. Porém, se os pais não estiverem dispostos a cuidar desse assunto e não realizarem um bom trabalho de mediação, ela ficará mais exposta à influência daqueles que querem torná-la um consumidor dependente e acrítico. Ou seja, é precisamente sobre a medida dessa influência externa que podemos e devemos atuar com nosso trabalho de defesa.
A televisão
Permitir que crianças pequenas assistam livremente à programação televisiva voltada para o público adulto é uma espécie de abandono moral. Porém, mesmo nos casos em que a criança assiste somente à programação infantil, os pais precisam estar atentos à quantidade de tempo passado diante da tela e à adequação dos programas assistidos.
Quanto ao conteúdo dos programas, é importante observar, de um lado, os valores transmitidos; de outro, a qualidade do texto, da linguagem, das imagens, e da trilha sonora, assim como o ajuste de todos esses elementos à faixa etária da criança. Há obviamente canais melhores e piores. E embora possamos encontrar alguns programas e desenhos em que esses elementos são reunidos com talento e sensibilidade às necessidades da infância, infelizmente isso não é verdade para a maioria.
Além da questão do conteúdo, há também o problema do ritmo e da sequência de apresentação dos programas. Geralmente, eles são encadeados de maneira caótica, intercalados com comerciais de produtos e chamadas para outros programas. Desse modo, num curto espaço de tempo, a criança assistirá a vários programas e desenhos diferentes, além de comerciais de produtos e vinhetas que remetem a outros programas. Isso contribui mais para a criação de um estado de confusão mental do que para o desenvolvimento do senso de ordem e da capacidade de conferir sentido ao mundo.
Mas, como fazer essa mediação? Em primeiro lugar, escolhendo pessoalmente os programas a que seu filho vai assistir. Você pode selecionar previamente o que considera apropriado nas ferramentas de busca da TV a cabo. Outra boa alternativa à programação oficial é adquirir DVDs ou BRDs com os desenhos, animações e filmes preferidos da criança, e que você considere adequados. Desse modo, ainda evita sua exposição à propaganda inconveniente.
Em resumo, você decide o que seu filho vai ver, seleciona o material e estabelece as regras de disponibilização. Essa estratégia também possibilita que a própria criança dite o ritmo em que os programas serão assistidos e assimilados. Ela pode ver o mesmo programa quantas vezes quiser, concentrando-se e apreendendo melhor os detalhes da história.
Até os 3 ou 4 anos de idade, esse controle estrito é perfeitamente viável, dependendo somente de os pais estarem dispostos a dedicar uma parte de seu tempo a essa tarefa. Passados os primeiros anos, porém, o trabalho de mediação pode se tornar delicado. Estando mais permeável às influências externas (principalmente dos amiguinhos da escola), a criança talvez comece a manifestar o desejo de assistir a programas que não atendam os critérios de qualidade pré-estabelecidos pelos pais. Nesse caso, é preciso avaliar o teor da concessão, e decidir se as regras podem ou não ser flexibilizadas.
Os aparelhos eletrônicos digitais
Em relação à internet e às redes sociais, a única estratégia segura é jamais permitir que as crianças naveguem sem a supervisão de um adulto, pois elas não têm maturidade para se defender das imagens a que ficam ali eventualmente expostas. Sobre os jogos eletrônicos, quanto mais tempo você puder adiar o momento de acesso regular, tanto melhor. Mas seja qual for a sua decisão a respeito, a única forma de lidar com a presença deles na rotina da criança é estabelecer regras claras acerca do seu uso: que jogos seu filho pode jogar, quantas vezes por semana, e quanto tempo por dia.
Diante de uma tela de celular, tablet, ou computador, a criança absorve um imenso e caótico conjunto de imagens fragmentadas, esteticamente pobres e apresentadas com uma velocidade estonteante. Imagens que, ao invés de ampliar os seus horizontes mentais, acabam por turvá-los. Durante esse tempo, ela perde o contato com a realidade, alienando-se de tudo o que se passa ao redor. Além disso, os jogos eletrônicos deixam a criança agitada e cansada, e tiram a qualidade do sono. Por isso, não basta selecioná-los. É preciso também limitar o tempo que lhes será dedicado. Quando os pais não exercem esse tipo de controle, as crianças tendem a exagerar na dose. E deixam de realizar outras atividades importantes para o seu desenvolvimento e para a formação de um imaginário rico e abrangente.
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Imagem: Steven Adams, Via Imagina
Fonte: ideaplex.com.br
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