Por que o choro da criança nunca deve ser ignorado?

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O choro é a única forma eficaz de comunicação que a criança pequena possui. Até que a fala esteja desenvolvida a ponto de permitir que se expresse de maneira competente, ela vai chorar toda vez que estiver diante de uma situação que não pode enfrentar sozinha e que lhe causa um nível de stress físico ou emocional além de sua própria capacidade de auto regulação.

Não se deve esperar que uma criança seja capaz de substituir o choro pela comunicação verbal, ou por qualquer outro tipo de comunicação, antes dos 3 anos de idade. Mas a verdade é que poucas coisas incomodam tanto um adulto quanto o choro infantil. E isso não é à toa. Da mesma forma que as crianças são programadas pela natureza para chorar quando experimentam algum tipo de desconforto físico ou emocional, os adultos são programados para reagir ao choro com estratégias para fazê-lo cessar.

A primeira e mais natural reação da mãe que ouve o choro de seu filho pequeno é ir até ele, e pegá-lo no colo. É precisamente por ser estressante que o choro funciona como tem que funcionar: direcionando a atenção do adulto para a criança que chora e estimulando-o a entrar em campo no seu papel de mediador entre ela e o mundo.

Muitas vezes, porém, o choro se torna algo difícil de se lidar, principalmente quando as causas não são evidentes ou de fácil solução. Antes de mais nada, é preciso manter a calma. O fundamental é que a criança perceba que você está disponível e que ela terá a sua atenção. Se a causa for algum mal-estar físico, será preciso agir objetivamente, oferecendo o antídoto certo para o seu desconforto. Quando a criança chora porque está se sentindo só, desprotegida, entediada, ou porque se desestabilizou com algum estímulo externo, o choro tende a cessar quando ela é levada ao colo, aconchegada e (principalmente no caso do bebê novinho) embalada. Ouvir a voz dos pais também tem um efeito calmante.

Até o final do primeiro ano de vida, o choro é sempre sinal de algum desconforto físico ou emocional imediato. A partir dos doze meses, porém, o cenário se complica um pouco. Na medida em que adquire maior competência motora e cognitiva para explorar o ambiente que a cerca, a criança começa a ampliar a sua gama de necessidades. Ela passa a colecionar desejos que nem sempre podem ser satisfeitos. Surgem então outros tipos de choro, a que costumamos nos referir como “manha”, “birra”, ou “chilique”.

É sempre importante ter em mente que não existe choro sem motivo. Para uma criança pequena, ter que ir embora da pracinha, por exemplo, pode representar uma grande tragédia! Não obstante, existem motivos a que os adultos não podem ou não devem ceder. É preciso ensinar à criança que nem todos os seus desejos poderão ser satisfeitos, que existem limites ao que ela pode obter do mundo. Mas sempre de maneira gentil e acolhedora. Muitas vezes, basta distrair a criança para que ela esqueça o motivo do choro. Quando isso não ocorre, o melhor é tentar acalmá-la; de maneira afetuosa, porém firme.

Antes dos três anos de idade, a criança não é capaz de representar mentalmente o afeto e a atenção que recebe. Ela só entende os adultos com base na forma como eles se comportam: o que dizem, o que fazem, como reagem. Por isso, quando os pais simplesmente ignoram o seu choro, transmitem-lhe a mensagem de que ignoram os seus sentimentos, mesmo que isso não seja verdade. É preciso chegar junto da criança nesses momentos, conversar com ela e ajudá-la a compreender as suas próprias emoções e reações.

Voltando ao exemplo da saída da pracinha: você pode lhe dizer, por exemplo, que entende o seu aborrecimento, mas que é realmente necessário voltar para casa, e que a pracinha estará lá, no mesmo lugar, quando ela retornar no dia seguinte. Talvez ela não pare logo de chorar, mas certamente vai aprender que existe uma conexão entre aquilo que sente e a forma como reage. Conhecer suas próprias emoções é um passo importante para que ela aprenda a lidar com as frustrações.

Para resumir, o choro é uma janela que nos permite ver o mundo com os olhos da criança, nos dá acesso ao seu universo afetivo e nos possibilita guiá-la na direção do autoconhecimento e da auto regulação emocional. Se você conseguir encará-lo dessa forma, vai lidar com ele com muito mais segurança e tranquilidade.

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Lilla Cabot Perry (1848 – 1933), “Mère et enfant”, 1910.

Quais são as histórias clássicas que seu filho precisa conhecer?

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A literatura clássica para crianças é muito vasta. Mas, por volta dos cinco anos de idade, ele já pode ser apresentado a três gêneros incontornáveis: os contos de fadas, as fábulas e a obra de Monteiro Lobato. São histórias que, a um só tempo, maravilham as crianças, enriquecem o seu imaginário, e conduzem-nas suavemente na direção de valores que nos são caros, como a generosidade, a justiça e a beleza.

Os Contos de Fadas

Os Contos de Fadas têm origem no folclore medieval europeu. Ambientados em castelos, florestas ou pequenas aldeias, são povoados por fadas boas e bruxas más, aristocratas e plebeus, animais falantes e outros seres fantásticos que se relacionam com os humanos e contribuem, por meio de estratagemas ou encantamentos, para transformar o seu destino.

As narrativas orais dos camponeses medievais começaram a ser transpostas para a forma escrita a partir do século XII, mas foi com autores modernos como Charles Perrault (século XVII) e os irmãos Grimm (séculos XVIII/XIX) que elas adquiriram a feição que conhecemos hoje. As histórias originais eram mais violentas e trágicas do que as que contamos às nossas crianças. No processo de fixação dos contos na forma escrita, certos aspectos dos enredos e dos personagens foram sendo suavizados para se adaptar à sensibilidade urbana do leitor moderno.

Contudo, as histórias continuam muito atuais, pois tratam de temas centrais da experiência humana, como a angustiosa transição da infância para a vida adulta, o ciúme entre irmãos, a inveja da beleza, da riqueza e do sucesso, etc. Na maioria delas, o núcleo da narrativa é um conflito existencial: o herói ou a heroína buscam algum tipo de realização pessoal. No caminho, eles encontram obstáculos terríveis que precisam transpor.

Os contos de fadas cumprem ainda a importante função de acalmar a ansiedade infantil em relação à existência do perigo e do mal no mundo. O Bem e o Mal são apresentados de forma dicotômica, absoluta e explícita, permitindo às crianças trabalhar sua angústia de forma construtiva e otimista – porque nessas histórias, o Bem quase sempre vence. Os contos permitem, assim, à criança, organizar suas percepções e sentimentos, ao mesmo tempo em que ela é apresentada a arquétipos importantes da tradição ocidental.

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“Meu Primeiro Livro de Contos de Fadas”,       Mary Hoffman, Cia das Letrinhas.

As Fábulas

As fábulas são portadoras de uma tradição ainda mais longa do que a dos contos de fadas. Com elas, recuamos até o tempo da Grécia Antiga.

Trata-se de pequenas composições literárias protagonizadas na maioria dos casos por animais, e cujo desfecho contém um ensinamento sobre a vida, o comportamento humano e a realidade do mundo. Quem não conhece a história da cigarra que passou o verão cantando e no inverno teve que pedir abrigo à formiga trabalhadeira e avarenta, que havia juntado provisões para o inverno e se recusava a dar? Ou a da lebre convencida que, achando que a corrida estava ganha, foi tirar um cochilo e, quando acordou, havia sido ultrapassada pela lenta, porém obstinada, tartaruga?

Pois bem, também são histórias de origem popular atribuídas ao grego Esopo, que teria vivido há mais de 2500 anos atrás. Elas eram tão conhecidas e valorizadas na Grécia, que sua função educativa chegou a ser citada por Platão e Aristóteles. E o mais incrível é que, assim como ocorre com os contos de fadas, o seu conteúdo continua absolutamente atual.

As fábulas de Esopo teriam sido registradas em forma escrita, na língua latina, por Fedro, escravo liberto do imperador romano Augisto, no primeiro século da Era Cristã. Posteriormente, no século XVII, as fábulas de Esopo foram recontadas em verso pelo francês Jean de La Fontaine.

Embora sejam em sua maioria animais, os personagens dessas histórias apresentam qualidades e defeitos tipicamente humanos. Por isso, La Fontaine dizia que a fábula “é uma pintura em que cada um de nós pode encontrar seu próprio retrato.” Sua leitura enriquece o imaginário e a compreensão da criança sobre as circunstâncias de sua vida, sobre ela mesma e sobre as pessoas que a cercam.

Há muitas adaptações de Esopo e La Fontaine no mercado brasileiro de literatura infantil. Mas as fábulas requerem um trabalho maior de mediação da parte do adulto. Como elas envolvem ensinamentos bem específicos, é preciso muitas vezes explicitar a moral da história para a criança. E há também as fábulas escritas por autores modernos, de mais fácil assimilação, como Os Três Porquinhos, de Joseph Jacobs, e O Patinho Feio, de Hans Christian Andersen.

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A literatura infantil de Monteiro Lobato

Depois de ter algum contato com esses dois gêneros literários, as crianças já podem ser apresentadas à obra de Monteiro Lobato (1882-1948). Trata-se de um hiper-clássico brasileiro cujas histórias arrebatam a atenção dos pequenos há várias décadas. O livro Reinações de Narizinho, que foi publicado em 1931, serve de marco inicial para a série “Sítio do Pica-Pau Amarelo“, que contém 23 volumes. As histórias do “Sítio” agregam elementos do nosso próprio folclore ao imaginário fantástico de animais falantes e fadas madrinhas. Ou seja, elas enriquecem a imaginação infantil com um toque genial de brasilidade.

Monteiro Lobato é interessante e incontornável por si só, mas além da qualidade intrínseca da obra, sua leitura estimula as crianças a empreenderem outras aventuras literárias mais tarde. Por exemplo, Peter Pan e Dom Quixote, que intitulam volumes do Sítio, podem posteriormente ser visitados em boas adaptações dos originais para o público infantil. O mesmo podemos dizer de O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules, que podem motivar a introdução da mitologia grega no repertório de clássicos da criança.

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Com essa lista de leituras tão divertidas quanto indispensáveis, seu filho vai desenvolver o gosto pela boa literatura e adquirir uma bagagem cultural que o acompanhará pelo resto da vida.

Em geral, as crianças estão prontas para o contato com essa rica literatura, na versão “original”, a partir dos cinco anos de idade, aproximadamente. Mas cada caso é um caso. De todo modo, completados os três anos, elas já podem ser apresentadas a versões simplificadas e condensadas das fábulas e dos contos de fadas.

Por fim, sugiro que você reserve um horário para ler diariamente para o seu filho. Que tal à noite, antes de dormir, para que os seus sonhos sejam alimentados pelas imagens maravilhosas que ele vai absorver? Esses momentos de atenção e intimidade ficarão guardados para sempre em sua memória afetiva

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Imagem do topo:

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), “Portrait de Jean et Geneviève Caillebotte“.