As crises de oposição da criança: como lidar, o que fazer?

Toda vez que abro uma caixinha de perguntas no Instagram, aparece alguém com dúvida sobre como lidar com a birra da criança pequena. Quase que invariavelmente. Por esse motivo, resolvi esclarecer o meu pensamento acerca desse assunto com o nível de detalhamento que ele merece. Na verdade, no processo de escritura desse texto, eu me dei conta de que o que vou dizer aqui a respeito de como os pais devem se conduzir durante as crises de oposição poderia, de certa forma, ser estendido à questão mesma de como devem construir a sua relação de autoridade com os filhos.

A partir dos dois e até os três ou quatro anos de idade, a birra é um comportamento normal e esperado. O que estamos chamando de birra, aqui, é um tipo de reação em que a criança chora, estende o corpo no chão, esperneia, e parece impermeável a qualquer tentativa de apaziguamento por parte dos adultos, levando os pais a um nível de desespero que muitas vezes faz com que eles próprios se descontrolem. Quando a birra ocorre em público, é muito comum que os pais se sintam impotentes e constrangidos. Não obstante o fato de o protagonista da cena ser a criatura que eles mais amam no mundo, naquele momento, eles se sentem tomados por emoções muito negativas: irritação, vergonha, raiva.

Assim como a birra é um comportamento esperado, também é normal que os pais experimentem esse tipo de reação ao se perceberem impotentes. Porém, se você tem uma criança de dois ou três anos em casa, eu tenho uma boa notícia: você não é de fato impotente, existe luz no fim do túnel. Para deixar de se sentir impotente, é preciso apenas que você entenda o que está acontecendo com o seu filho quando ele tem um ataque de birra, e adquira algumas ferramentas conceituais que vão lhe ajudar a se conduzir de maneira correta e eficiente durante essas crises. Vamos, então, nessa sequência.

A criança pequena ainda não teve tempo de desenvolver a capacidade de se controlar, que depende da maturação de algumas estruturas psicofísicas. Por isso, ela tende a reagir de forma disruptiva, e até mesmo agressiva, às frustrações do dia a dia. Mesmo em condições educacionais extremamente favoráveis, ela não estará pronta para o autocontrole. Além disso, encorajada por uma relativa autonomia motora e linguística, e tranquilizada pelo fato do mundo não ser mais um lugar tão novo e estranho, a criança começa a testar de maneira contundente a sua própria autonomia. Agora, em muitas ocasiões, ela faz questão de explorar o seu entorno (pretensamente) sem amparo ou ajuda. Nos limites da diminuta esfera de vida que ela já conhece por hábito, nasce o impulso de exercitar a sua vontade. E isso está na origem de muitas frustrações, seja porque a criança nem sempre consegue fazer sozinha o que planeja, seja porque muitas vezes os pais precisam colocar freio em suas pretensões.

Em resumo, a birra nada mais é do que um efeito da incapacidade da criança de lidar com a frustração que lhe assalta sempre que seus desejos se chocam com a estrutura da realidade, tanto com a realidade em seus aspectos mais “naturais”, como quando a torre de lego cai ou um brinquedo se quebra, quanto em seus aspectos mais “culturais”, como quando os adultos impõem ativamente limites e regras à criança.

O impulso de autonomia nem sempre resulta em ataques de birra, mas, para a maioria das crianças, costuma se traduzir em atitudes de ardente teimosia. Elas passam a querer escolher sozinhas suas próprias roupas, insistem em fazer coisas sem ajuda, recusam-se a colocar o cinto de segurança ou a serem conduzidas pela mão na rua. Em outros casos, o impulso de autonomia pode se limitar à vontade de tomar decisões sobre a rotina. “Não quero comer”, “não vou tomar banho”. O fato é que, em algum momento a partir dos dois anos de idade, a maioria das crianças começa a dizer “não” de um modo que, aos adultos, parece quase obsessivo. Com ou sem birra, é preciso ter serenidade para lidar com a criança nessa fase.

A primeira coisa é não valorizar demais esses comportamentos, e não se intimidar com eles. Sim, eles fazem parte do processo natural de desenvolvimento de seu filho. Porém, isso não significa que você deva fazer vista grossa, simplesmente dar tempo ao tempo. Ao contrário. O nosso papel é auxiliar a natureza, de maneira consciente e ativa. A maturação de certas estruturas psicofísicas é um fator necessário, mas não suficiente, para a conquista do auto-controle. E, além disso, ela só se completa no final da adolescência. Os adultos que cuidam da criança precisam, portanto, fazer a sua parte, ensinando-a a lidar com as suas próprias frustrações, a comportar-se de maneira mais equilibrada diante de uma vontade não satisfeita.

O impulso natural da criança é na direção da maturidade, mas não é verdade que existem hoje em dia o que mais vemos por aí são adultos imaturos? Um adulto normal já não se joga no chão quando é impedido de fazer algo que deseja. Porém, quantos adultos não conhecemos que são incapazes de lidar com a frustração? Quantos não reagem à estrutura da realidade fazendo sempre algum tipo de birra e infernizando a vida de quem está à sua volta?

Mas voltemos às crianças.

Algumas crianças fazem mais birra que outras e, inicialmente, podemos dizer que isso está ligado às disposições do temperamento. Por que eu digo “inicialmente”? Porque, independentemente do temperamento da criança, fatores como o ambiente doméstico, as circunstâncias cotidianas e o modo como os pais se conduzem, podem ajudar ou atrapalhar o desenvolvimento do autocontrole. Existem crianças que, por sua própria natureza, tentarão impor a sua vontade mesmo que isso tenha um custo para elas. Porém, até a criança cordata, naturalmente pouco disposta ao conflito e ao enfrentamento com os pais, pode se tornar birrenta se for afetivamente negligenciada, tratada com permissividade excessiva, ou exposta diariamente a circunstâncias estressantes.

O que seriam, mais precisamente, circunstâncias estressantes? Assim como acontece com os adultos, a fome, o sono e a agitação excessiva são estados que costumam produzir irritabilidade. Por isso, a primeira providência educacional dos pais deve ser a de estabelecer uma rotina de alimentação, sono, higiene e lazer que restrinja as possibilidades de que a criança adentre esses estados fisiológicos de irritação que funcionam como gatilhos quase imediatos para a birra.

Mas o que fazer quando, mesmo controladas essas condições, a criança se joga no chão, chora de forma estridente, e se recusa a aceitar que as coisas não se passem exatamente como ela quer? Diante de uma criança fazendo birra, devemos sempre ter em mente que o nosso papel é ajudá-la a desenvolver a capacidade de se acalmar e se controlar. Devemos administrar os ataques de birra como situações de aprendizagem para a criança. Nossa tarefa é ajudar a criança a compreender e organizar as suas próprias emoções, e mostrar a ela que é possível recuperar o equilíbrio perdido diante de uma frustração inevitável.

Na hora da crise, fique junto de seu filho, conectado, não o abandone. Abrace-o para acalmá-lo ou simplesmente mantenha algum contato físico para que ele sinta a sua presença e a sua atenção. Deixe claro que você compreende o seu sentimento, embora não aprove o seu comportamento. Quando perceber que ele está um pouco mais calmo, e isso pode levar tempo, aí, sim, converse com ele e explique o que está se passando. Em uma linguagem acessível, diga que você entende que ele está frustrado mas que, na vida, as coisas nem sempre são como nós queremos. A estratégia pode ser resumida em conectar-se com a criança mantendo a sua perspectiva de adulto. Em outras palavras, você mostra que entende a sua chateação mas não sai correndo para dar o que ela quer.

Vamos imaginar a situação. A boneca se quebrou e a criança começa a ter um ataque. O que você faz? Corre desesperadamente para buscar a cola? Não. Quando agimos assim, a mensagem que estamos transmitindo à criança é a de que o problema ocorrido justifica o mau comportamento dela. A nossa missão é ajudá-la a sair do estado de descontrole para, em seguida, pensar em uma solução. Outra situação: a criança se joga no chão do shopping porque você não quer comprar um brinquedo. A solução é comprar o brinquedo? Claro que não. Até quando você vai suportar ficar refém dos desejos de seu filho toda vez que entra em uma loja? Você quer que ele aprenda que pode ter tudo o que quer? A equação é simples: se você correr para buscar a cola ou para comprar o brinquedo, o seu filho não vai aprender nada, não vai avançar na conquista do autocontrole, porque você estará atrapalhando o trabalho da natureza.

Diante de um ataque de birra nada é mais importante do que manter a calma e a serenidade, acolher a frustração da criança sem se deixar contaminar afetivamente. Não grite com ela, não a abandone. Mas não deixe que ela faça o que quer. Não recue! A não ser que a sua ordem ou limite tenha sido completamente sem sentido. Nesse caso, aí sim, é melhor dar um passo para trás. É melhor ceder do que ser injusto. A justiça é uma virtude, e os pais não devem jamais agir de maneira injusta. Por isso, antes de dar uma ordem ou colocar um limite, reflita. Escolha as batalhas que você considera realmente importantes. Não aja impulsivamente. Se queremos que nossos filhos desenvolvam a capacidade de autocontrole, temos que começar cuidando da nossa.

Imagem: 

“In Disgrace”, Charles Burton Barber (1845-1894) (detalhe).

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