Educação começa em casa

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A educação que recebemos em casa, durante os anos da infância, determina, em ampla medida, o modo como nos comportamos e nos relacionamos com as pessoas à nossa volta. A tragédia educacional que vivemos hoje origina-se, portanto, dentro de nossos lares.

Aos seis ou sete anos de idade, uma criança já deve ser capaz de se comportar de maneira adequada nas situações do dia a dia. Porém, o que observamos por aí é o contrário. Crianças que atropelam os adultos na porta do elevador, que não respeitam os mais velhos, que se comportam nos lugares públicos como se o espaço e o tempo lhes pertencessem. Hoje em dia, a maior parte das crianças cresce sem norte, reféns de seus próprios desejos, com uma visão de mundo estreita e auto referenciada. Em qualquer situação que demande a capacidade de se colocar no lugar dos outros, frear impulsos ou seguir regras, logo constatamos que aquelas que de fato receberam orientação em casa compõem uma esmagada minoria.

Vou exemplificar com uma cena que observei, tempos atrás, em uma casa de festas infantis. Tudo transcorria como de costume: muita balbúrdia, música alta, luzes piscando, a voz estridente do animador e o ruído constante dos jogos eletrônicos espalhados no salão. O cenário, obviamente, concorria para aumentar a agitação já natural das crianças. A certa altura, um grupo de meia dúzia de meninos de cerca de sete ou oito anos começou a subir nas mesas de jogos, a pular e a gritar, sob o olhar atônito e desesperado dos funcionários do estabelecimento. A bagunça só acabou quando as próprias crianças chegaram à exaustão.

Você deve estar se perguntando: mas, e os pais dessas crianças, não estavam lá? Sim, eles conversavam nas mesas a alguns metros de distância. E ali permaneceram, visivelmente constrangidos, é verdade, mas limitando-se a balançar a cabeça, de longe, em sinal de reprovação. Nenhum deles se levantou, nenhum deles se dirigiu ao filho para lembrá-lo da necessidade de se comportar como gente. Foi uma cena chocante: total falta de limites das crianças e total falta de limites dos pais.

Toda criança precisa de orientação. A palavra “orientação”, quando aplicada à educação, remete à ideia de presença, de vigilância, de zelo, enfim, de um envolvimento criativo e reflexivo do adulto no processo de formação da pessoa de seu filho. Pois, para se orientar uma criança da maneira adequada, é preciso estar genuinamente disponível, prestar atenção, ocupar-se dela como quem se ocupa de uma vida. E é preciso, sobretudo, conhecê-la, porque cada criança é um indivíduo único no mundo e as estratégias que funcionam com uma não servem necessariamente para outra. Em suma, para que os pais consigam exercer o seu papel de orientadores, eles devem ser capazes de um certo malabarismo: identificar-se com a criança mantendo, não obstante, a sua postura de adultos.

Mas a disponibilidade de tempo e a capacidade de dedicação, por si sós, não são suficientes para garantir uma boa orientação. Atualmente, muitos pais atentos e dedicados mostram-se igualmente perdidos, não sabem o sentido da educação que querem dar para seus filhos, e são incapazes de dizer o mais simplório “não”. Isso ocorre, em parte, porque eles estão confusos em relação à legitimidade de sua própria autoridade. São reféns de uma visão deturpada a respeito do que significa educar.

Esse problema tem uma história. O aprofundamento dos saberes relativos à infância no século XX alterou – podemos dizer mesmo que revolucionou – a nossa percepção e a nossa sensibilidade em relação à criança e nos fez desejar uma educação menos autoritária e inflexível do que a de antigamente. Hoje sabemos que a criança não é um mini adulto que precisa apenas ser adestrado. O psiquismo infantil tem sua especificidade e o desenvolvimento em direção à maturidade plena e sadia depende daquilo que Winnicott chamou de “ambiente facilitador”. Sabemos também que a autoridade dos pais deve estar ancorada na razão e na coerência. Não queremos mais ser rígidos com nossos filhos, queremos respeitar sua individualidade e construir com eles uma relação de confiança mútua.

Porém, como toda revolução conceitual tende a radicalizar um novo ponto de vista, as ideias modernas sobre a infância disseminaram uma visão negativa e distorcida da autoridade e da regra, uma visão que não distingue entre autoridade e autoritarismo, e que entende a regra como imposição de uma violência à individualidade da criança. Informados por essa visão equivocada, os pais acreditam que, sendo firmes, estarão sendo autoritários. Desse modo, educar passou a ser uma atividade praticamente impossível. E o resultado é que a maioria dos pais permite que a criança tome decisões que não lhe cabem e se entregue a comportamentos que a deixarão cada vez mais insegura, descontrolada e sem rumo. Ora, é perfeitamente possível – e necessário – combinar autoridade e afeto. O mais inegociável dos “nãos” pode ser dito com o mais genuíno respeito pela pessoa da criança.

A criança nasce com o potencial de se tornar um adulto plenamente sociável, mas esse potencial não se realiza se ela não puder contar com o auxílio dos adultos. Desde cedo, ela percebe a fragilidade de sua situação. Sabe o quanto depende do adulto para viver, o quanto precisa de sua mão generosa e experiente para se movimentar num mundo organizado a partir de regras cuja lógica ela desconhece. Por tudo isso, a criança sem orientação é a que mais sofre. Ela se sente sozinha, desamparada, desprovida de recursos para lidar com as pequenas adversidades e frustrações do dia-a-dia. Não encontra nos pais a autoridade protetora de que tanto precisa. Ela navega sem bússola e sem farol.

Orientar a criança é responsabilidade inescapável dos pais. Eles devem não só ajudá-la a ampliar o seu conhecimento do mundo, mas também destrinchar para ela os primeiros códigos da vida e ensiná-la a se comportar adequadamente. Isso é como estreitá-la nos braços e dizer: “Estou aqui para te ensinar o que você precisa saber até que seja capaz de entender o mundo e seguir sozinho. Não se preocupe, enquanto for necessário, eu vou te dizer o que é o certo e o que é o errado. Eu vou te guiar.”

A orientação coerente e equilibrada permite que a criança vá aos poucos compreendendo, sem que seja necessário explicar demais, que por detrás das regras há sempre um motivo e que por trás das atitudes dos pais há sempre uma lógica. À medida em que ela introjeta a pertinência das regras, torna-se mais segura, mais consciente de si mesma e de seus próprios atos. Aos poucos, vai conquistando o autocontrole.

A criança desorientada corre o risco de tornar-se um adulto infantilizado, frágil, incapaz de lidar com a frustração. Uma boa orientação, por outro lado, produz adultos fortes, conscientes de seus deveres, seguros de seus valores e capazes de enfrentar as dificuldades da vida com firmeza e altivez.

7 comentários sobre “Educação começa em casa

  1. Adorei, Cris! Perfeita a frase “para orientar uma criança da maneira adequada, é preciso estar genuinamente disponível, prestar atenção, ocupar-se dela como quem se ocupa de uma vida.” Lindo isso! Como mãe, sinto que isso acontece comigo também. Não adianta achar que vamos simplesmente dizer “não” e tudo se resolverá. É preciso dar limites investindo também no “sim”, ie, nas alternativas positivas, sendo amorosamente disponível para educar. ♥

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  2. Perfeitas as suas observações! É um retrato de toda uma geração de pais e filhos. Agradeço todos os dias por cada “não” que recebi dos meus pais, sem complexos, sem inseguranças… E que bom que existem educadores conscientes como você!

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